A roda do tempo é imparável, mas permite visualizar as alterações climatéricas. Em pleno inverno, os dias têm estado agradáveis, favorecendo o contacto com a ilha, na sua diversidade paisagística, e apreciando as mudanças ocorridas nos últimos anos.
Um dia destes, o destino foi o Vale das Furnas – paisagem internacionalmente conhecida pelos cheiros sulfuroros e rumores tenebrosos do ventre da terra, pelos aromas das quintas e árvores floridas, pelo sabor de águas tantas, quentes e frias, que curam doenças e deliciam, languidamente, os banhistas.
O Vale das Furnas, parafraseando Almeida Garret em Viagens na Minha Terra é “um destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos e deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa harmonia suavíssima e perfeita: não há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como simetria de cores, de tons, de disposição em tudo quanto se vê e se sente, que não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do espírito e o repouso do coração devem viver ali, reinar ali um reinado de amor e benevolência.”
Certamente por isso é que a partir do séc. XVIII, naturalistas, botânicos e outros cientistas, nomeadamente, Charles Darwin, visitaram demoradamente os Açores e para além de estudarem a sua constituição geológica, fauna e flora, procederam à análise das águas ali existentes 1.)
Segundo Brandão da Luz, 2.) já no início do século XVI, Diogo Gomes de Sintra deixou registos em latim da sua viagem à ilha de São Miguel, descrevendo “águas quentes naturais e sulfurosas” e “uma grande planície de cinzas a ferver”.
Tão grande riqueza tornou-se apetecível aos países mais desenvolvidos e perante a acorrência da população micaelense que ali procurava cura para as suas maleitas, embora em banhos de precárias condições, Thomas Ashe num livro sobre História dos Açores, publicado em 1813, realçava a importância destas ilhas para o império britânico e defendia que o governo inglês deveria ocupar estas ilhas e transformá-las numa colónia. 3.)
Daí para cá, são inúmeras as referências à beleza e potencialidades termais do Vale. De tal sorte que o abastado comerciante norte-americano Thomas Hickling, vice-consul daquele país nos Açores, construíu no centro das Furnas um pavilhão, jardim e tanque de água férrea que mais tarde, a família Bensaúde iria integrar numa unidade hoteleira muito conceituada.
As potencialidades termais das Furnas e da respetiva lagoa, rodeadas de terrenos de elevado aproveitamento agrícola, frutícola e florestal, atraíram as famílias dos terra-tenentes e de outros burgueses que lá construíram casas de veraneio, onde passavam largos períodos estivais, dando um ar cosmopolita e urbano àquela povoação do interior da Ilha.
Ficaram célebres os concertos da banda Harmónica Furnense, promovidos no parque Terra Nostra pelo Marquês da Praia, seu fundador, que congregavam a alta sociedade micaelense.
Na década de 30, a família Bensaúde abre o Hotel Terra Nostra e o Casino, onde, para além do jogo, decorreram bailes e serões afamados.
Foi a partir de então que o Vale das Furnas conheceu grande projecção internacional. A maioria dos visitantes nacionais e estrangeiros sabia ao que vinha e dava conta das belezas daquele recanto paradisíaco nas suas impressões de viagem.
Nas décadas seguintes, as entidades locais tudo fizeram para promover aquele destino. No entanto, só a partir dos anos 80 e seguintes, devido a uma dinâmica promocional mais eficaz, as Furnas passaram a ter maior procura. Não tanta como seria de desejar, pese embora os investimentos na indústria hoteleira, nomeadamente no inacabado hotel termal e no parque de campismo, na rede viária e no saneamento, na beneficiação de antigos banhos e nos espaços envolventes das Caldeiras, etc.
O turismo, porém, decresceu a olhos vistos, devendo apostar-se no turismo interno.
A nova rede viária encurtou distâncias e permite deslocações mais rápidas e económicas. As Furnas são um destino privilegiado de lazer e de contacto com a natureza que convém revisitar.
Antigamente, eram frequentes excursões organizadas nas diversas localidades, agrupando a filarmónica ou grupo folclórico, acompanhados de familiares. Só isso seria um ótimo chamariz para os forasteiros de dentro e de fora que ali afluem, dando um ar de festa ao Vale e impulsionando o tecido comercial. Ao mesmo tempo, as localidades visitantes poderiam aproveitar para distribuir informação sobre elas próprias para atrair forasteiros. Seria uma informação em rede.
No continente, autarquias e empresariado do sector promovem excursões de fim de semana com pacotes que incluem ou não estadia e alimentação, promovendo o turismo interno.
Fica a sugestão: o Vale das Furnas vale a pena ser redescoberto.
1.) Luz, J.L.Brandão, O Vale das Furnas na Literatura de Viagens do Século XIX, sep.rev.Insulana, 1995
2.) op.cit.
3.) Ibidem, pag 47.
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